Um blog que contém informações sobre os orixás, lendas, folhas sagradas, orikis, dicionário africano (yorubá para português), entre outros. Por Babalorixá Daniel de Ajaguna e Fabiana de Oxum.
Começou assim:
Eu comprei um espaço para montar minha casa de Axé e este vídeo como vocês podem ver foi a reforma deste espaço!
Demorei 7 dias mas valeu a pena porque no final foi linda a festa da Oxum de minha esposa!
Os filhos de Oxaguiã não param talvez porque oxaguiã não goste de preguiça, estou sempre reformando ou construindo algo! Em constante movimentação! Parar jamais! Meu mais recente projeto é um poço que estou terminando! Então esta lenda de Ajagunã tem tudo haver comigo e espero que vocês gostem!
AJAGUNÃ DESTRÓI PALÁCIOS PARA O POVO TRABALHAR!!!
Ajagunã,
o filho guerreiro de Oxalá, andava junto com Ogum fazendo a guerra.
Onde Ogum destruía uma cidade, Ajagunã construía outra maior e mais
próspera. Conquistavam para seu povo todos os campos de inhame e todas
as riquezas em ouro e escravos. O
jovem Oxalá não tinha descanso, estava sempre provocando novas
situações, obrigando todo mundo a trabalhar e progredir. Onde a paz
resultava em calmaria e preguiça ele provocava a discórdia e o
movimento, ninguém podia se acomodar na presença de Ajagunã. Um
dia, entre uma batalha e outra, Ajagunã foi à cidade de Ogum em busca
de munição. Lá chegando, viu que o povo festejava. Tinham acabado a
construção de um palácio novo, que ofereciam para o seu rei Ogum. A eles
perguntou Ajagunã: "Que
fazeis agora que o palácio está feito?" Responderam eles: "Descansamos
de nosso feito. Festejamos". Disse Ajagunã: "Vosso rei está em guerra e
tardará. Aproveitai o tempo e fazei um trabalho melhor. Um palácio mais
belo e resistente, do qual ele haverá de mais se orgulhar". E tocou a
parede do palácio com sua espada e o palácio ruiu. Ajagunã
voltou para a guerra e quando, de outra feita, à cidade retornou, lá
estava o palácio refeito, maior, mais imponente, mais bonito. Ao povo
que comemorava com festas a conclusão da nova fortaleza de Ogum,
perguntou Oxalá Ajagunã: "Que fazeis agora que o palácio está feito?"
Responderam eles: "Descansamos do nosso feito. Festejamos". Disse
Ajagunã: "Vosso rei está em guerra e tardará. Aproveitai o tempo e fazei
um trabalho melhor. Um palácio mais belo e resistente, do qual ele
haverá de se orgulhar". E derrubou o palácio de novo. E tantas vezes
isso se repetiu que os habitantes daquela cidade se transformaram num
povo de grandes construtores e sua engenharia é reconhecida até os dias
de hoje. E tudo porque Ajagunã não gosta de ver ninguém parado.
Xangô (do iorubá Şàngó) teria sido, enquanto personagem histórico, o terceiro alafim (soberano) de Oyó. Era filho de Oraniã
e de Torossí, filha de Elempê, rei dos tapás, que firmara uma aliança
com Oraniã. Xangô cresceu no país de sua mãe indo se instalar, mais
tarde, em Kòso (Kossô), onde os habitantes não o aceitaram por causa de
seu caráter violento e imperioso; mas ele conseguiu, finalmente,
impor-se pela força. Em seguida, acompanhado pelo seu povo, dirigiu-se
para Oyó, onde estabeleceu um bairro que recebeu o nome de Kossô.
Conservou, assim, seu título de Ọba Kòso que, com o passar do tempo, veio a fazer parte de seus orikis (louvores).
Dadá Ajacá,
irmão consangüíneo de Xangô, filho mais velho de Oraniã, reinava em Oyó
por essa época. Seu caráter era calmo e desprovido da energia
necessária a um verdadeiro chefe. Xangô o destronou e Dadá Ajacá
exilou-se em Igboho, durante os sete anos de reinado de seu meio-irmão.
Teve que se contentar, então, em usar uma coroa feita de cauris, chamada
Adé de Baiâni. Depois que Xangô deixou Oyó, Dadá Ajacá voltou a reinar.
Em contraste com a primeira vez, ele mostrou-se, agora, valente e
guerreiro e, voltando-se contra os parentes da família materna de Xangô,
atacou os tapás, sem grande sucesso.
Xangô na África
Xangô, em seu aspecto de orixá, é filho de Oraniã, tem Iamassé (Iyá Masé) como mãe e é marido de Oiá, Oxum e Obá.
Viril e potente, violento e justiceiro, castiga os mentirosos, os
ladrões e os malfeitores. Por este motivo, a morte pelo raio, arma de
Xangô, é considerada infamante e uma casa atingida por um raio é uma
casa marcada pela cólera de Xangô. O proprietário deve pagar pesadas
multas ao sacerdotes do Orixá que vêm procurar, nos escombros, os ẹdùn àrá
(pedras de raio) lançados por Xangô e profundamente enterradas no local
onde o solo foi atingido. Essas "pedras de raio", na realidade machados
neolíticos, são postas sobre um pilão de madeira esculpido, o odó,
consagrado a Xangô. Tais pedras são consideradas emanações de Xangô e
contém o seu axé - o seu poder. O sangue dos animais sacrificados é
derramado, em parte, sobre suas pedras de raio para manter-lhe a força e
a potência.
O carneiro, cuja chifrada tem a rapidez do raio, é o animal cujo o
sacrifício mais lhe convêm. Fazem-lhe, também, oferecimentos de amalá,
iguaria preparada com farinha de inhame regada com um molho feito com
quiabos. É no entanto, formalmente proibido oferecer-lhe feijões brancos
da espécie Sesé. Todas as pessoas que lhe são consagradas estão sujeita
à mesma proibição. O emblema de Xangô é um machado de duas lâminas
estilizado, o oxé, que os seus iniciados trazem na mão, quando em
transe.
Xangô no Novo Mundo
O culto de Xangô é muito popular no Novo Mundo, tanto no Brasil como
nas Antilhas. Em Recife, seu nome serve mesmo para designar o conjunto
de cultos africanos praticados no Estado de Pernambuco.
Na Bahia, seus fiéis usam colares vermelho e branco, como na
África. Quarta-feira é o dia da semana que lhe é consagrado. Assim que
saudam, gritando: Kawó-Kabiyèsílé!, "Venham ver o rei descer sobre a Terra!"
Os tambores bàtá não são conhecidos no Brasil, embora
ainda o sejam em Cuba, mas os ritmos batidos para Xangô são os mesmos.
São ritmos vivos e guerreiros, chamados tonibobé e alujá, e são
acompanhados pelos ruídos dos xerés (chocalhos), agitados em uníssono. A
dança preferida de Xangô se faz ao som do alujá, um ritmo quente,
rápido, que expressa força e realeza recordando, através do dobrar
vigoroso do Rum, os trovões dos quais Xangô é o senhor.
No decurso de suas danças, Xangô brande orgulhosamente seu oxé
(machado duplo) e assim que a cadência se acelera ele faz o gesto de
quem vai pegar pedras de raio num labá (saco) imaginário, e lançá-las
sobre a Terra. O simbolismo de sua dança deixa, a seguir, aparecer seu
lado licencioso e atrevido.
No decorrer de certas festas, Xangô aparece frente à assistência,
trazendo sobre a cabeça um ajerê, panela cheia de furos, contendo fogo,
e começa a engolir mechas de algodão embebidas em dendê e inflamadas,
denominadas acará, como na África. É uma referência à lenda segundo a
qual Xangô tinha o poder de cuspir fogo.
Na Bahia, segundo consta, existem doze Xangôs: 1. Dadá; 2. Obá Afonjá; 3. Obalubé; 4. Ogodo; 5. Obá Kosô; 6. Jakuta; 7. Aganju; 8. Baru; 9. Oraniã; 10. Airá Intilé; 11. Airá Igbonán; 12. Airá
Adjaosi.
Na verdade, Dadá (1) é irmão de Xangô, Oraniã (9) é seu pai e Aganju
(7), um de seus sucessores. Na Bahia acredita-se que Ogodô (4)é
originário do país tapá e que segura dois oxés quando dança, sendo o seu
ẹdùn àrá composto de dois gumes. Os Airás (10 a 12) seriam Xangôs muitos velhos, sempre vestidos de branco e usando contas azuis, sẹgi, em lugar de corais vermelhos, como os outros Xangôs. Ao que parece, teriam vindo da região de Savé.
Xangô foi sincretizado com São Jerônimo, no Brasil, e com Santa
Bárbara, em Cuba. Em Recife cultuam dois Xangôs principais: Xangô-Velho,
identificado com São Jerônimo, cuja festa é a 30 de setembro, e
Xangô-Moço (Ani-Xangô), sincretizado com Saõ João e celebrado a 24 de
junho. Em Porto Alegre Xangô Dadá é identificado com São João Batista
que no seu dia, 24 de junho, não “baixa” porque, com a queima de fogos
que o festejam, ele iria incendiar o mundo
Na Bahia, quando uma festa é celebrada em honra de Dadá, irmão
mais velho de Xangô, a cerimônia parece conter reminiscências de fatos
antigos, sem que os participantes saibam, muitas vezes as histórias dos
iorubás. O iaô de Dadá vem dançar frente a assistência, tendo na cabeça
uma coroa, o Adê de Baiâni. Logo depois, Xangô montado sobre um (ou uma)
de seus iniciados, toma a coroa, colocando-a sobre sua própria cabeça.
Após ter dançado assim adornado por um certo tempo, a coroa é restituída
a Dadá. Este elemento do ritual parece ser uma reconstituição do
destronamento de Dadá Ajacá por Xangô, e sua volta ao poder, sete anos
mais tarde.
O arquétipo de Xangô é o das pessoas voluntariosas e enérgicas,
altivas e conscientes de sua importância, real ou suposta. Das pessoas
que podem ser grandes senhores, corteses, mas que não toleram a menor
contradição e, nestes casos, são capazes de se deixarem levar por crises
de cólera, violentas e incontroláveis. Das pessoas sensíveis ao charme
do sexo oposto e que se conduzem com tato e encanto no decurso de
reuniões sociais, mas que podem perder o controle e ultrapassar os
limites da decência. Enfim, o arquétipo de Xangô é aquele das pessoas
que possuem elevado sentido de sua própria dignidade e de suas
obrigações, o que as leva a se comportarem com um misto de severidade e
benevolência, segundo os humores do momento, mas sabendo guardar,
geralmente, um profundo e constante sentimento de justiça.
Xangô e a morte
Segundo Os Nagô e a Morte, de Juana Elbein dos Santos, Xangô
representa dinastia, conceitualizando uma corrente de vida ininterrupta,
expressa pela função de Alafim, "epítome do poder absoluto da realeza".
Isto faz com que, apesar de Xangô resumir em si a herança, ou
melhor, a imagem coletiva dos ancestrais - expressa pela sua parte de
branco, de árvore e de madeira - representa fundamentalmente o poder de
realização e de elemento procriado, expresso por sua parte de vermelho,
de fogo e de trovão. Se, pela sua matéria de origem ancestral e pelo seu
aspecto exterior, ele lembra um ancestre egun (um mito conta que Egun
roubou suas roupas), sua função consiste em assegurar a vida
individualizada na aiê.
Xangô retira-se da cabeça de suas sacerdotisas quando estas estão
prestes a morrer. Xangô não fica onde há mortos. Lydia Cabrera,
intrigada com esse aspecto de Xangô, perguntou a seus informantes "por
que ele tem tanto medo dos mortos". Todos os informantes, unanimemente,
responderam que não é uma questão de medo. "Xangô não tem terror dos iku
(mortos)", "Xangô não foge dos mortos, ele não tem medo de nada", e a
resposta é significativa: "Xangô não gosta 'da queleto' frio porque ele
está vivo, quente", dando relevo, segundo Lydia Cabrera, "a uma
incompatibilidade essencial do deus com a morte". Interpretamos essa
incompatibilidade como resultado de ambos pertencerem a categorias
diferentes, sendo o "assento" de Xangô absolutamente diferente do de
egun.
Mitos de Xangô
Durante sua infância, em Tapá, Xangô só pensava em encrenca.
Encolerizava-se facilmente, era impaciente, adorava dar ordens e não
tolerava nenhuma reclamação. Xangô só gostava brincadeira de guerra e de
briga. Comandados pivetes da cidade, ele ia roubar os frutos das
árvores. Crescido, seu caráter valente o levou a partir em busca de
aventura gloriosas. Xangô tinha um oxé - machado de duas lâminas; tinha
também um saco de couro, pendurado em seu ombro esquerdo. Nele
encontravam-se os elementos do seu poder ou axé: aquilo que ele engolia
para cuspir fogo e amendontrar seus adversários, e a pedras e raios com
as quais ele destruía as casas de seu inimigos. O primeiro lugar que
Xangô visitou chamava-se Kossô. Ai chegando, as pessoas assustadas
disseram: "Quem é esse perigoso personagem!" "Ele é brutal e petulante
demais!" "Não o queremos entre nós!" "Ele vai maltratar-nos!" "Ele vai
espalhar a desordem na cidade!" "Não queremos entre nós!" Mas Xangô os
ameaçou com seu oxé. Sua respiração virou fogo e ele destruiu algumas
casas com suas pedras de raio. Todo mundo de Kossô veio pedir-lhe
clemência, gritando: Kabiyesi Xangô, Kawo Kabiyesi Xangô Obá Kossô! "Vamos todos ver e saudar Xangô, Rei de Kossô!"
Quando Xangô tornou-se rei de Kossô, ele pôs-se à obra.
Contrariamente ao que as pessoas desconfiavam e temiam, Xangô fazia as
coisas com calma e dignidade e realizava trabalhos úteis à comunidade.
Mas esta vida calma não convinha a Xangô, que adorava as viagens e as
aventuras. Assim, partiu novamente e chegou à cidade de Irê, onde morava
Ogum, o terrível guerreiro, o poderoso ferreiro. Ogum estava casado com
Iansã, senhora dos ventos e das tempestades. Ela ajudava Ogum em suas
atividades. Todas as manhãs, Iansã o acompanhava à forja e carregava,
para ele, as ferramentas. O vento soprava e fazia: fuku, fuku, fuku e
Ogum batia sobre a bigorna: beng, beng, beng... Xangô gostava de
sentar-se ao lado da forja para ver Ogum trabalhar. Vez por outra, ele
olhava para Iansã. Iansã, também, espiava furtivamente Xangô. Xangô era
vaidoso e cuidava muito de sua aparência, a ponto de trançar seus
cabelos como o de uma mulher. Ele fizera furos nos lobos de suas
orelhas, onde pendurava argolas. Que elegância! Muito impressionada pela
distinção e pelo brilho de Xangô, Iansã fugiu com ele e tornou-se sua
primeira mulher.
Xangô voltou por pouco tempo a Kossô, seguindo depois, com seus
súditos, para o reino de Oyó, o reino fundado, antigamente, por seu pai
Oraniã. O trono estava ocupado por um meio irmão de Xangô, mais velho
que ele, chamado Dadá Ajacá, um rei pacífico, que amava a beleza e as
artes. Xangô instalou-se em Oyó, um novo bairro que chamou de Kossô. Ele
conserva assim, seu título de Obá Kossô - "Rei de Kossô". Xangô
guerreava para seu irmão Dadá. O reino de Oyó expandia-se para os
quatros cantos do mundo. Ele se estendeu para o Norte. Ele se estendeu
para o sul. Ele se estendeu para o Leste e se estendeu para o Oeste.
Xangô, então, destronou seu irmão Dadá Ajacá e fez-se rei em seu lugar.
Xangô construiu um palácio com cem colunas de bronze e tinha um
exército de cem mil cavaleiros. Vivia entre suas mulheres e seus filhos.
Iansã, sua primeira mulher, bonita e ciumenta. Oxum, sua segunda
mulher, coquete e dengosa. Obá, sua terceira mulher, robusta e
trabalhadora. Sete anos mais tarde, foi o fim do seu reino: Xangô,
acompanhado de Iansã, subira a colina de Igbeti, cuja vista dominava seu
palácio de cem colunas de bronze. Ele queria experimentar uma nova
fórmula que inventara para lançar raios. A fórmula era tão boa que
destruiu todo o seu palácio! Adeus mulheres, crianças, servos, riquezas,
cavalos, bois e carneiros. Tudo havia desaparecido, fulminado,
espalhando e reduzido a cinzas. Xangô, desesperado, seguido apenas por
Iansã, voltou para Tapá. Entretanto, chegando a Kossô, seu coração no
suportou tanta tristeza. Xangô bateu violentamente com os pés no chão e
afundou-se terra a dentro. Oxum e Obá transformaram-se em rios e todos
tornaram-se orixás.
Xangô procurava a melhor forma de governar e de aumentar seu
prestígio junto ao seu povo. Conta-se que, para fortalecer seu poder,
Xangô mandou trazer da terra dos baribas um composto mágico, que
acabaria, contudo, sendo sua perdição. O rei Xangô sempre procurava
descobrir novas armas para com elas conquistar novos territórios. Quando
não fazia a guerra, cuidava de seu povo. No palácio recebia a todos e
julgava suas pendências, resolvendo disputas, fazendo justiça. Nunca se
aquietava. Pois um dia mandou sua esposa Iansã ir ao reino vizinho dos
baribas e de lá trazer para ele a tal poção mágica, a respeito da qual
ouvira contar maravilhas. Iansã foi e encontrou a mistura mágica, que
tratou de transportar numa cabacinha. A viagem de volta era longa, e a
curiosidade de Iansã sem medida. Num certo momento, ela provou da poção e
achou o gosto ruim. Quando cuspiu o gole que tomara, entendeu o poder
do poderoso líquido: Iansã cuspiu fogo!
Xangô ficou entusiasmadíssimo com a nova descoberta. Se ele já
era o mais poderoso dos homens, imaginem agora, que tinha a capacidade
de botar fogo pela boca. Que inimigo resistiria? Que povo não se
submeteria? Xangô então passou a testar diferentes maneiras de usar
melhor a nova arte, que certamente exigia perícia e precisão. Num desses
dias, o obá de Oió subiu a uma elevação, levando a cabacinha mágica, e
lá do alto começou a lançar seus assombrosos jatos de fogo. Os disparos
incandescentes atingiam a terra chamuscando árvores, incendiando
pastagens, fulminando animais. O povo, amedrontado, chamou aquilo de
raio. Da fornalha da boca de Xangô, o fogo que jorrava provocava as mais
impressionantes explosões. De longe, o povo escutava os ruídos
assustadores, que acompanhavam as labaredas expelidas por Xangô. Aquele
barulho intenso, aquele estrondo fenomenal, que a todos atemorizava e
fazia correr, o povo chamou de trovão. Mas num daqueles exercícios com a
nova arma, o obá errou a pontaria e incendiou seu próprio palácio. Do
palácio, o fogo se propagou de telhado em telhado, queimando todas as
casas da cidade. Em minutos, a orgulhosa cidade de Oió virou cinzas.
Passado o incêndio, os conselheiros do reino se reuniram, e
eviaram o ministro Gbaca, um dos mais valentes generais do reino, para
destituir Xangô. Gbaca chamou Xangô à luta e o venceu, humilhou Xangô e o
expulsou da cidade. Para manter-se digno, Xangô foi obrigado a cometer
suicídio. Era esse o costume antigo. Se uma desgraça se abatia sobre o
reino, o rei era sempre considerado o culpado. Os ministros lhe tiravam a
coroa e o obrigavam a tirar a própria vida. Cumprindo a sentença
imposta pela tradição, Xangô se retirou para a floresta e numa árvore se
enforcou. '"Oba so!", "Oba so!" "O rei se enforcou!", correu a
notícia. Mas ninguém encontrou seu corpo e e logo correu a notícia,
alimentada com fervor pelos seus partidários, que Xangô tinha sido
transformado num orixá. O rei tinha ido para o Orum, o céu dos orixás.
Por todas as partes do império os seguidores de Xangô proclamavam: "Oba ko so!",
que quer dizer "O rei não se enforcou!" “Desde então, quando troa o
trovão e o relâmpago risca o céu, os sacerdotes de Xangô entoam: "O rei
não se enforcou!" "Oba ko so! Obá Kossô!" "O rei não se enforcou".”
Xangô na Umbanda
Na Umbanda, as cores de Xangô são o marrom e amarelo-ouro. Ele bebe
cerveja preta e tem sua morada e o seu altar na rocha, de preferência
onde haja também uma cachoeira. Seu axé está concentrado nas formações
de rochas cristalinas, nos terrenos rochosos à flor da terra, nas
pedreiras, nos maciços. Suas pedras são inteiras, duras de se quebrar,
fixas e inabaláveis, como o próprio Orixá.
É o Orixá da justiça, da retidão, do equilíbrio e determinação,
que abomina os mentirosos, os ladrões e os bandidos. Recorrem a ajuda de
Xangô os injustiçados e os aflitos, tanto fisicamente como
espiritualmente. Suas decisões são sempre consideradas sábias,
ponderadas, hábeis e corretas. Ele é o Orixá que decide sobre o bem e o
mal. Ele é o Orixá do raio e do trovão.
Xangô tem a fama de agir sempre com neutralidade. Seu raio e
eventual castigo são o resultado de um quase processo judicial, onde
todos os prós e os contras foram pensados e pesados exaustivamente. Uma
casa atingida por um raio é sinal de descontentamento de Xangô com algum
de seus moradores, que deve fazer oferendas para acalmá-lo.
É sincretizado com São Jerônimo, devido às representações do
santo nas quais aparece com um leão aos pés, símbolo de realeza para os
africanos.
O Egun é a morte que volta à terra em
forma espiritual e visível aos olhos dos vivos. Ele
"nasce" através de ritos que sua comunidade elabora e
pelas mãos dos ojé (sacerdotes) munidos de um
instrumento invocatório, um bastão chamado ixan, que,
quando tocado na terra por três vezes e acompanhado de palavras
e gestos rituais, faz com que a "morte se torne vida",
e o Egungun ancestral individualizado está de novo
"vivo".
A aparição dos Eguns é cercada de
total mistério, diferente do culto aos Orixás, em que o
transe acontece durante as cerimônias públicas, perante olhares
profanos, fiéis e iniciados. O Egungun simplesmente surge
no salão, causando impacto visual e usando a surpresa como rito.
Apresenta-se com uma forma corporal humana totalmente recoberta
por uma roupa de tiras multicoloridas, que caem da parte superior
da cabeça formando uma grande massa de panos, da qual não se
vê nenhum vestígio do que é ou de quem está sob a roupa. Fala
com uma voz gutural inumana, rouca, ou às vezes aguda, metálica
e estridente — característica de Egun, chamada de séégí
ou sé, e que está relacionada com a voz do macaco
marrom, chamado ijimerê na Nigéria.
- Babá
Egun ,sob vigilancia do Ojé
,aconselha um fiel prostrado à sua frente. -
As tradições religiosas dizem que sob a roupa
está somente a energia do ancestral; outras correntes já
afirmam estar sob os panos algum mariwo (iniciado no culto
de Egun) sob transe mediúnico. Mas, contradizendo a lei
do culto, os mariwo não podem cair em transe, de qualquer
tipo que seja. Pelo sim ou pelo não, Egun está entre os
vivos, e não se pode negar sua presença, energética ou
mediúnica, pois as roupas ali estão e isto é Egun.
A roupa do Egun — chamada de eku
na Nigéria ou opá na Bahia , ou o Egungun
propriamente dito, é altamente sacra ou sacrossanta e, por
dogma, nenhum humano pode tocá-la. Todos os mariwo usam o
ixan para controlar a "morte", ali representada
pelos Eguns. Eles e a assistência não devem tocar-se,
pois, como é dito nas falas populares dessas comunidades, a
pessoa que for tocada por Egun se tornará um
assombrado", e o perigo a rondará. Ela então deverá
passar por vários ritos de purificação para afastar os perigos
de doença ou, talvez, a própria morte.
Ora, o Egun é a materialização da
morte sob as tiras de pano, e o contato, ainda que um simples
esbarrão nessas tiras, é prejudicial. E mesmo os mais
qualificados sacerdotes — como os Ojéatokun,
que invocam, guiam e zelam por um ou mais Eguns —
desempenham todas essas atribuições substituindo as mãos pelo ixan.
Os Egun-Agbá (ancião), também
chamados de Babá-Egun (pai), são Eguns que já
tiveram os seus ritos completos e permitem, por isso, que suas
roupas sejam mais completas e suas vozes sejam liberadas para que
eles possam conversar com os vivos. Os Apaaraká são Eguns
,ainda mudos e suas roupas são as mais simples: não têm tiras
e parecem um quadro de pano com duas telas, uma na frente e outra
atrás. Esses Eguns ainda estão em processo de
elaboração para alcançar o status de Babá; são
traquinos e imprevisíveis, assustam e causam terror ao povo.
O eku dos Babá são divididos em
três partes: o abalá, que é uma armação quadrada ou
redonda, como se fosse um chapéu que cobre totalmente a
extremidade superior do Babá, e da qual caem várias
tiras de pano coloridas, formando uma espécie de largas franjas
ao seu redor; o kafô, uma túnica de mangas que acabam em
luvas, e pernas que acabam igualmente em sapatos, do qual
,também caem muitas tiras de pano da altura do tórax ; e o banté,
que é uma larga tira de pano especial presa ao kafô
e individualmente decorada e que identifica o Babá.
O banté, que foi previamente preparado
e impregnado de axé (força, poder, energia
transmissível e acumulável), é usado pelo Babá quando
está falando e abençoando os fiéis. Ele o sacode na direção
da pessoa e esta faz gestos com as mãos que simulam o ato de
pegar algo, no caso o axé, e incorporá-lo. Ao contrário
do toque na roupa, este ato é altamente benéfico. Na Nigéria,
os Agbá-Egun portam o mesmo tipo de roupa, mas com alguns
apetrechos adicionais: uns usam sobre o alabá máscaras
esculpidas em madeira chamadas de erêegungun ;
outros, entre os alabá e o kafó, usam peles de
animais; alguns Babá carregam na mão o opáiku
e, às vezes, o ixan. Nestes casos, a ira dos Babás
é representada por esses instrumentos litúrgicos.
Existem várias qualificações de Egun,
como Babá e Apaaraká, conforme seus ritos, e
entre os Agbá, conforme suas roupas, paramentos e maneira
de se comportarem. As classificações, em verdade, são
extensas.